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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Lama que matou poderia ter sido usada para construção de casas e estradas.



Pesquisas da Escola de Engenharia transformam rejeito de minério em cimento, areia e pigmentos

O Brasil conheceu, de forma assustadora, no episódio do deslizamento de barragem em Mariana, o potencial de destruição do acúmulo do rejeito de minério de ferro. Poucos sabem também que esse rejeito pode ser reciclado. Pesquisadores da Escola de Engenharia da UFMG detêm tecnologia para transformar rejeitos e estéreis de minerações de ferro, bauxita, fosfato e calcário em produtos como cimento – para construção de blocos, vigas, passeios, estradas –, areia – que pode alimentar a indústria de vidros e de chips de computador – e pigmentos, para a produção de tintas, por exemplo.


Casa erguida em Pedro Leopoldo com rejeitos e esteréis de mineraçãoAcervo da pesquisa

Diversas pesquisas são realizadas no Laboratório de Geotecnologias e Geomateriais do Centro de Produção Sustentável da UFMG, em Pedro Leopoldo (MG), em conjunto com empresas brasileiras, universidades federais, instituições internacionais e com apoio da Fapemig e do BDMG. A unidade conta com planta-piloto de calcinação flash (queima controlada) automatizada, com capacidade de produção de 200 kg/hora. A calcinação flash (CF) possibilita o processamento de microparticulados, algo que não pode ser realizado nos fornos convencionais. Essa propriedade da CF favorece a transformação de compostos mineralógicos das matérias-primas como rochas estéreis e rejeitos de tratamento em ligantes de alta resistência que geram, por exemplo, o ecocimento.

"Da mesma forma que os antigos aproveitavam a propriedade pozolânica [de reagir com outras substâncias para gerar um ligante] das cinzas vulcânicas e da argila, é possível submeter estéreis de mina e lama de barragens à calcinação ultrarrápida para obter cimentos e outros derivados", afirma o professor Evandro Moraes da Gama, do Departamento de Engenharia de Minas. Ele coordena o Laboratório de Geotecnologias e Geomateriais, ao lado do professor Abdias Magalhães Gomes, do Departamento de Engenharia de Materiais de Construção. Evandro da Gama salienta que é possível aglomerar o rejeito em forma de pelotas – como se faz com o próprio minério – em pilhas, com 100% de segurança, dispensando a utilização da água e eliminando a estocagem de rejeitos em barragens. "Essas pilhas seriam verdadeiros estoques de matéria-prima para os ecoprodutos", diz.

O pesquisador explica que os solos do Hemisfério Sul – lateríticos e cauliníticos – são mais fáceis de ser encontrados. "Aqui, o tratamento do solo gera produto final mais rico em propriedades pozolânicas. As rochas alteradas e intemperizadas são pulverulentas, e a granulometria natural é favorável à calcinação flash. Como são muito finas e próximas de sua forma cristalográfica, as partículas são transformadas, após a calcinação, em metassubstâncias minerais, que criam superfícies específicas muito grandes. Dessa forma, podem ‘agarrar’ com mais facilidade outras partículas minerais. Isso gera o cimento."

Estéril e rejeito

O estéril de mina é formado por rochas que não contêm o minério de ferro, mas precisam ser retiradas junto com o itabirito, por exemplo, para fazer a chamada cava de mina e possibilitar a atividade da mineração. "Esse estéril é reunido em depósitos controlados que não levam água e representam importante passivo ambiental. Quando a água passa por esses depósitos, são gerados produtos indesejáveis com impacto sobre rios e florestas", comenta Evandro da Gama.

A lama e o rejeito arenoso são levados para barragens, obras geotécnicas de terra, feitas com técnicas da década de 1960. São obras frágeis e de risco


O rejeito, por sua vez, é formado pela concentração do ferro no tratamento e tem natureza argilosa e arenosa. O uso de água no tratamento forma a lama. "A lama e o rejeito arenoso são levados para barragens, obras geotécnicas de terra, feitas com técnicas da década de 1960. São obras frágeis e de risco", diz o professor.
Nos anos 1990, no Brasil e em outros países, segundo Evandro da Gama, começou a se perceber o aumento exponencial de rejeito e estéril de mina. As pesquisas na UFMG destinadas ao aproveitamento desses materiais iniciaram-se há cerca de dez anos, com apoio de empresas e órgãos de fomento do governo.

O professor defende que pesquisas e produção sejam estimuladas por políticas de desenvolvimento, incluindo isenção de impostos e ações de valorização dos produtos ecológicos. "No Brasil, é preciso aproximar a indústria de transformação da indústria da mineração. Parte significativa do passivo ambiental pode ser convertida em matéria-prima para a construção da infraestrutura do país", ressalta Evandro da Gama.

O rejeito arenoso pode ser reaproveitado, por exemplo, como brita para base e sub-base de estradas. Segundo o professor, o volume da barragem que rompeu – cerca de 63 milhões de metros cúbicos – poderia ser transformado em base e sub-base para uma estrada com 3.500 quilômetros ou aproveitado na construção de 120 vilas com 200 casas de 46 metros quadrados de área total, ou seja, 120 povoados do porte de Bento Rodrigues, o subdistrito arrasado pelo rompimento da barragem da Samarco.

Evandro da Gama e Abdias Gomes construíram uma casa de 46 metros quadrados com rejeitos e estéreis de mineração de ferro. "A casa, em exposição no Laboratório de Pedro Leopoldo, tem custo 30% menor na comparação com materiais e metodologia de construção convencionais. E é extremamente confortável", garante Evandro da Gama.

[Matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 16/12/2015]

Itamar Rigueira Jr.


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