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sábado, 23 de maio de 2020

A melhor manteiga do mundo.

No ano de 1955, com quatorze anos de idade, eu fui transferido do Posto de Gasolina Jussara que ficava na saída de Pompéu, onde eu aprendi de tudo um pouco, para a Fábrica de Manteiga, de propriedade da mesma firma, Thomaz Campos & Cia Ltda. Na Fábrica eu fiquei subordinado diretamente ao Hipólito que era filho do Thomaz, sócio-presidente. Como já o conhecia, eu o chamava de Hipoltinho. Mas, quem me dava ordens, me ensinava as atividades e me atribuía as tarefas era o Zezé do Bahia, primo em primeiro grau do Hipólito. No escritório contábil, trabalhava junto com o Hipólito a minha belíssima professora Inês Santos, que nós chamávamos de Neném. A primeira coisa que aprendi foi a receber o creme do leite, a principal matéria-prima, entregue diretamente pelos fazendeiros ou trazido pelos caminhões da fábrica ou dos fornecedores de cidades vizinhas. Para mim, foi o maior susto, ver chegarem aqueles cremes já fermentados para serem transformados em manteiga de qualidade para exportação. Na porta da fábrica, vendia-se no varejo a granel, embalada em papel impermeável, ou em alguns casos, em belas embalagens metálicas, mais como favor aos amigos. Vale registrar que havia fornecedores de todo os padrões. Uns super-asseados traziam as latas de 10, 20 ou 50 litros, que pertenciam à fábrica, bem limpinhas e lavadas. Depois que imprimimos a logomarca em baixo relevo em cima da pintura azul no “pescoço” de cada lata, havia até quem retocasse a pintura e fazia questão de esperar que eu as lavasse para levar as mesmas latas de volta. O normal era pegar uma lata qualquer que já estava limpa e seca para agilizar. Havia por, exemplo, o José Menezes ou Zé do Piduca, o José da Veiga Reis e mais uma meia dúzia de fazendeiros que dava gosto a gente atender. Um creme limpinho quase fresco e gostoso. Recebíamos o creme que era pesado e analisado em laboratório para calcular o percentual de água e gordura e fornecer o talão de crédito com o valor calculado. Um ou outro fazendeiro, pelo menos uma vez por ano, pedia para centrifugar seu creme no ato da entrega para conferir se a análise estava correta. Nesse processo a água é retirada e se apura o creme. Sempre obtive resultados idênticos, uma glória! Dali o creme era despejado em um depósito de aço inoxidável, com dois filtros para separar alguma impureza vinda das fazendas, e dali para um tanque similar com maior capacidade, ligado diretamente às centrifugadoras, que chamávamos batedeiras. Havia na fábrica três grandes batedeiras que funcionavam a plena carga na época da safra e duas pequenas para usar na entressafra e para fazer os testes solicitados pelos fornecedores. No final da fábrica ficava a caldeira que fornecia o vapor para lavar as latões e também os tanques, equipamentos e até pisos. O processo de tirar a gordura das latas com o vapor era de uma rapidez que até hoje me impressiona: havia um equipamento que soltava um jato de vapor para cima com “bocas” no diâmetro da menor lata. Um manuseio da alavanca soltava o vapor e em segundos a lata estava desengordurada. Aí a lavação prosseguia com sapólio e sabão e depois eram enxaguadas. Um potente motor diesel acoplado a um gerador de energia elétrica fornecia água quente, oriunda de seu resfriamento, aproveitada também para a limpeza dos pisos. A manteiga era batida até atingir a consistência ideal, quando a própria máquina emitia um apito de alerta. Aí, agregava-se água gelada e grandes quantidades de gelo em barra triturado, até torná-la homogênea. Daí era passada para outra batedeira para receber o sal que a deixaria, sem conservantes, preparada para armazenamento e transporte até os países da Europa que eram os clientes. Ainda havia outras etapas: a manteiga salgada permanecia de um dia para o outro em grandes caixões de madeira perfurados para deixar que o sal derretesse e chegasse ao padrão ideal. Dali, a manteiga era enlatada com pesos exatos em vasilhames de 250, 500, 1.000 gramas e de cinco e dez quilos. Periodicamente, vindo do Rio de Janeiro, então capital federal, chegava o fiscal do DIPOA, Departamento Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, que em nosso próprio laboratório realizava exames de amostras colhidas aleatoriamente. A fábrica sempre recebia os parabéns pelos padrões de higiene e qualidade. O inspetor era uma pessoa muito séria e fazia questão de comprar e pagar duas ou três latinhas de um quilo da manteiga, cujas marcas comerciais eram Jussara e Jarina. Termino contando que muitas vezes eu, acompanhado do Zezé do Baia ou sozinho, ficava na fábrica até a Meia Noite, para manter o motor ligado para fabricação do gelo para o dia seguinte. O Zezé falava em tom de brincadeira, mas o demonstrava na prática, que, ao passar pela área de produção, onde a manteiga descansava e dessalgava, tínhamos que passar assoviando o tempo todo para que lá de fora as pessoas soubessem que não estávamos saboreando o delicioso produto. No dia seguinte, na hora de pesar e embalar, a parte de cima da manteiga estava cheia de sinais de dedos. Poucos resistiam a passar perto dos caixões de madeira sem “provar” a manteiga que seguramente era a melhor do Mundo

Tião do Gonde.

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