postado em 30/10/2020 23:14 / atualizado em 30/10/2020 23:23
Não é de hoje
que Elton Augsten demonstra habilidade para se dedicar a mais de uma atividade
simultaneamente e exercê-las com excelência. Já nos tempos em que cursava
medicina na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, ele também estudava
Direito na UFMG. "Eu aproveitei ao máximo da minha capacidade cognitiva,
cujo ápice em qualquer ser humano vai até os 24 anos", conta o hoje
neurocirurgião, fundador do Instituto de Neuropsquiatria de Minas Gerais,
coordenador da Central de Perícias Médicas do estado e professor da
Universidade de Alfenas (Unifenas).
A paixão pela
medicina veio cedo. Em sua família, muitos seguiram as carreiras jurídica e
militar ou se dedicaram a atividades agropecuárias, enquanto Elton, desde a
infância, sempre dizia que queria ser médico. A neurologia também já estava
traçada no destino do mineiro, hoje com 53 anos. "No primeiro período da
faculdade, despertei um interesse maior por uma disciplina chamada neuroanatomia,
que é o estudo das estruturas anatômicas complexas do sistema nervoso central e
periférico", diz. Em seus 30 anos de carreira, o neurologista deu aulas na
mesma faculdade em que se formou e trabalhou em hospitais importantes de Belo
Horizonte, como Mater Dei, Santa Casa, Julia Kubitschek e o extinto Santo Ivo,
da OAB. Elton exerceu atividades, ainda, no Centro Psíquico da Adolescência e
Infância, da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, onde conheceu sua mulher, a
psiquiatra Joyce Junqueira, com quem tem dois filhos, os pequenos Michael, de
12 anos, e Sophie, de 8 anos.
Atualmente,
além da medicina e da docência, o neurologista se dedica a uma das
práticas mais genuinamente mineiras: a fabricação de queijo. Há 20 anos, ao
lado de seu irmão, o estatístico Edward, ele criou o queijo Joaquim da Rita, do
tipo Minas Artesanal do Cerrado, fabricado na fazenda homônima, localizada na
cidade de Pompéu, a pouco mais de 170 quilômetros de Belo Horizonte.
"Brinco de dizer que o Elton é workaholic, mas ele não gosta muito dessa
palavra", diz Joyce. "Apesar de fazer muitas atividades, ele é
dedicado e apegado aos nossos filhos. Sempre que está em casa, aos finais de
semana, gosta de fazer coisas em família." Para Joyce, o marido é um
visionário. "Ele me ensina a ser otimista."
A saga de um
neurologista e um estatístico na fabricação de queijo tem origem familiar. A
história de sucesso do laticínio produzido por eles, também. Quando crianças,
os irmãos viajavam às fazendas de seus bisavós e avós - de origens alemã, no
lado materno, e portuguesa, no paterno - onde, entre outras atividades rurais,
eram fabricados queijos. "Algumas de minhas melhores memórias da infância
vêm das visitas ao interior, sobretudo durante as férias. Porque mineiro é
assim: quando não vai à praia, vai à roça", brinca Elton. Há cerca de 25
anos, quando algumas dessas propriedades rurais tornaram-se espólio devido à
morte de seus avós paternos, e foram colocadas à venda, Elton e Edward
resolveram comprar uma das partes do terreno. Aos poucos, foram resgatando as
antigas atividades exercidas por seus familiares, como a criação de gado da
raça girolando.
Os irmãos
recordaram-se dos saborosos queijos degustados na infância e deram início à
ideia de voltar a produzir o laticínio naquelas terras. Resgataram receitas de
seus antepassados e trataram logo de por a mão na massa, literalmente. Depois
de dois anos de experimentação, chegaram ao Joaquim da Rita, batizado assim em
homenagem a seu avô e sua bisavó. "Unimos os toques português e alemão até
chegarmos a um produto com boa aparência e que nossa família sente prazer em
degustar", diz Elton. Com textura aerada, cor âmbar, aroma e paladar
médio, e meia-cura, o produto começou a ser entregue como uma recordação a
amigos e familiares. O Joaquim da Rita diferencia-se dos demais queijos Minas,
também, por ser mais consistente por fora e macio internamente. É vendido em
empórios selecionados em diversas regiões do estado, incluindo a capital. O
preço médio do quilo varia de R$ 55 a R$ 75. Entre os segredos da fabricação e
do sucesso do Joaquim da Rita estão os cuidados sanitário e com o bem-estar dos
animais que produzem o leite utilizado no processo. "Todo o leite que
usamos é extraído na nossa fazenda, não compramos de terceiros", diz
Elton. "Além disso, tomamos todos os cuidados necessários e alguns extras
com os animais, e até com a água utilizada."
Participam do
processo de fabricação do queijo apenas Elton, Edward e uma funcionária. O
estatístico fica em tempo integral na fazenda, acompanhando de perto todo o
funcionamento da cadeia produtiva. Elton destaca a fundamental participação do
irmão no desenvolvimento do queijo Joaquim da Rita e em sua vida: "Sem
ele, seria impossível dar início a esse sonho e alcançar o patamar no qual
estamos hoje." Atualmente, a capacidade de produção da fazenda é de 250
quilos de queijo por semana, o que não é suficiente para atender à demanda.
"Entre os amigos também já estou devendo os queijos porque não temos
estoque nem para presentear", diz o neurologista. A intenção de Elton e
Edward é aumentar a capacidade de produção para 1 tonelada por semana, mas não
mais do que isso. "É um ritual que não queremos tornar industrializado.
Além disso pretendemos manter o charme do Joaquim da Rita, que é não ser
encontrado facilmente", conta o neurologista.
Com o sucesso
na carreira de médico e de mestre queijeiro, Elton poderia se dar por
satisfeito, mas, lembre-se, estamos falando de um homem disposto a realizar
múltiplas atividades. Pois bem, ele revela ainda sua paixão pela poesia. Apaixonado pelo legado do escritor mineiro Guimarães Rosa
(1908-1967), o neurologista escreve textos inspirados na obra roseana, e criou
um site e uma
página no Facebook para publicá-los. "Sempre tive em mente
que, quando a vida me desse um tempo, eu colocaria no papel alguns pensamentos.
E esse período chegou com a quarentena por causa da pandemia do novo
coronavírus", diz.
Ele relembra
que o pontapé inicial para começar a escrever veio ao conversar com o
compositor mineiro Celso Adolfo, após um show em um teatro de Ouro Preto, no
final de 2019. Elton contou com a pouca presença de público para se aproximar
do músico. "Entre outros assuntos, falei pra ele sobre o Joaquim da Rita,
ele experimentou, gostou e até me enviou uma crônica sobre o queijo, que eu
ainda não publiquei, mas pretendo fazer isso em breve", conta. "A
partir daí, começamos a trocar alguns textos pela internet e a escrita começou
a fluir naturalmente." Curiosamente, na ocasião, Celso Adolfo estava
divulgando o álbum Remanso de Rio Largo, baseado na obra de Guimarães Rosa.
Elton conta
que as poesias são baseadas em sua vivência desde a infância até os dias atuais
nas regiões das cidades de Pompéu e de Corinto, que fazem parte do cenário das
narrativas presentes no mais conhecido livro de Rosa, Grande Sertão: Veredas.
Claro, a história do queijo produzido pelo neurologista em parceria com o irmão
está presente em um dos textos. "[...] Numa sentada vai uma peça, come
tanto que a gente peca / E por mais que alguém peça, somente boa reza para
parar / Todo aquele queijo trabalhado, com o tempo ficou afamado / Por todo
mundo é procurado, põe na venda pra comerciar [....]" (trecho da poesia
"Da Lida de Joaquim da Rita").
O
multitarefas Elton Augsten, é, sobretudo, um autêntico mineiro, porque haja
causo bom para contar - e para ouvir -, hein, sô!