quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Alckimin quer punir policiais que tietaram Bolsonaro, comando da policia investiga o caso.


Gustavo Maia, Janaina Garcia e Marcelo Ferraz
Do UOL, em São Paulo
Caixa de som portátil tocando o jingle de campanhamanifestações de apoio, dezenas de selfies, tietagem e até um ônibus que parou e abriu as portas para a entrada de um candidato. Cenas normais de uma campanha eleitoral, mas protagonizadas por agentes fardados da Polícia Militar de São Paulo durante os quatro dias de visita do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) a cidades do interior paulista.
A reportagem do UOL acompanhou a passagem de Bolsonaro por oito municípios (Presidente Prudente, Araçatuba, Glicério, José Bonifácio, São José do Rio Preto, Jaci, Catanduva e Barretos) e flagrou a manifestação dos policiais (assista ao vídeo acima).
A Polícia Militar, por meio de sua assessoria de imprensa, solicitou à reportagem que fossem enviadas imagens que embasassem o relato, o que foi feito.
Em nota, a PM informou que as fotos e vídeos fornecidos “serão alvo de apuração por parte do comando da região nos termos do Regulamento Disciplinar”, sem apontar possíveis irregularidades ou sanções. O texto passou a valer em 2001 depois que a lei que o instituiu foi sancionada pelo então governador, Geraldo Alckmin (PSDB), que também concorre à Presidência.
Um trecho do regulamento estabelece que “aos militares do Estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário”.
Especialistas ouvidos pela reportagem falam em desvio de função. “Independentemente do candidato, o policial representa o Estado, a princípio, isento, laico e sem ideologias. Nesse sentido, representa também o governo, que tem de governar para todos”, afirmou o ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro e antropólogo, o coronel da reserva Robson Rodrigues.
“Servidores públicos, no uso de suas atribuições, durante a jornada de trabalho, fazendo campanha eleitoral, estão em desvio e em confronto com o estatuto do servidor, ou seja, fazendo uso de recursos públicos para seus fins particulares, o que significa corrupção do mandato público delegado de polícia”, afirmou a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, especialista em segurança pública da UFF (Universidade Federal Fluminense).

“Vou mandar essa foto para o Alckmin”

Bolsonaro acabara de almoçar em um restaurante no município de Jaci (SP) na última sexta-feira (24). Do outro lado da calçada, dois policiais militares aguardavam o candidato do PSL, que é capitão da reserva do Exército.
Fardados e armados, eles logo abriram um sorriso quando Bolsonaro atravessou a rua para cumprimentá-los. Um dos agentes, identificado como capitão Cavalari, não tirava a mão do fuzil que levava a tiracolo. Os dois queriam ser fotografados ao lado do deputado federal. Logo, outros oito policiais se enfileiraram. Com o candidato no centro, posaram de braços cruzados –exceto o que exibia a arma.
Gustavo Maia/UOL
Em campanha, Bolsonaro posa para foto ao lado de policiais militares em Jaci (SP)
“Vou mandar essa foto para o Alckmin”, comentou o presidenciável, entre risadas. A brincadeira tinha como alvo o ex-governador tucano, que comandava a Polícia Militar.
Neste sábado (25), último dia do tour eleitoral, Bolsonaro participou de uma carreata em Catanduva (SP). Na recepção montada na entrada da cidade, um PM identificado como sargento Alexandre orientava o trânsito e trazia acoplada à farda uma caixa de som, envolta em estampa de camuflagem militar.
O equipamento do policial executava um jingle da campanha de Bolsonaro, reproduzido via bluetooth por seu celular. O sargento desligou a música enquanto era filmado pela reportagem.
Quase uma hora depois, quando o presidenciável parou na estrada no caminho para Barretos (SP) para dar uma entrevista no acostamento, o PM estava lá e aproveitou para tirar uma foto do candidato ao lado de um colega. Em seguida, a dupla voltou ao carro da corporação.

“Não faz imagem não”

À noite, Bolsonaro deixava o Parque do Peão de Barretos, onde foi ovacionado ao montar um cavalo na arena de rodeios, quando cruzou com um ônibus da Polícia Militar que transportava policiais para a festa.
Aplaudido e saudado das janelas pelos agentes como “mito”, alcunha que ganhou dos apoiadores, o candidato entrou rapidamente no veículo acompanhado do deputado federal Major Olímpio, candidato do PSL ao Senado em São Paulo, que é da reserva da corporação. Ao se ver filmado pela imprensa e por sua equipe de campanha, Bolsonaro pediu: “não faz imagem não”.
A legislação eleitoral proíbe agentes públicos de “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis [como ônibus, por exemplo] pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios”. A única exceção vale para a realização de convenções partidárias.
Ao ver que cinegrafistas ainda registravam as cenas ocorridas dentro do ônibus, onde Bolsonaro tirou fotos com alguns PMs e fez gestos simulando armas com as mãos, um dos seguranças da equipe do candidato voltou a pedir que eles não filmassem, para “preservar a identidade dos policiais”.
Presidente do diretório paulista do PSL, Olímpio afirmou ao UOL neste domingo (26) que vê “alguns hipócritas, alguns babacas de plantão fazendo algumas avaliações de improbidade administrativa, de descumprimento de legislação eleitoral”, mas disse que “não existe nada disso”.
Para ele, o fato de os policiais tirarem foto não transcende as obrigações regulamentares e institucionais dos agentes, sendo “simplesmente um gesto natural do policial, que também é um cidadão”.
“Não estão fazendo tietagem coisa nenhuma”, afirmou Olímpio, que atribuiu a iniciativa a Bolsonaro e a ele mesmo, na PM há mais de 40 anos e acompanhante frequente do presidenciável em São Paulo. Ele relatou ainda já ter pego celulares de PMs para tirar as fotografias.
A ligação do presidenciável com as forças de segurança é ressaltada por ele em discursos no qual promete valorizar as polícias civil e militar além de pleitear “excludente de ilicitude” para os casos em que agentes matem alguém em serviço. Bolsonaro tem dito que quem matar “vagabundo” deve ser condecorado e não processado.
Durante as viagens, a reportagem conversou informalmente com policiais durante os atos de campanha e ouviu manifestações de apoio. Para os agentes, que são favoráveis ao endurecimento de leis como a redução da maioridade penal, só o candidato poderá resolver o problema da violência no país. Em discursos, o presidenciável mencionou as mortes de militares do Exército no Rio de Janeiro e de PMs no Ceará.
Gustavo Maia/UOL
Policiais tiraram selfies com o candidato dentro da Prefeitura de Glicério (SP)

Segurança reforçada

Além das manifestações de apoio, os atos de Bolsonaro no interior de São Paulo foram marcados pelo ostensivo aparato policial. Por ser candidato à Presidência, ele também é diariamente acompanhado por uma equipe da Polícia Federal há quase um mês.
As carreatas e caminhadas do presidenciável alteraram a dinâmica dos municípios e atraíram milhares de pessoas, provocando engarrafamentos e bloqueios de ruas. Em nota, a Polícia Militar informou que “é de sua competência constitucional a preservação da ordem pública em eventos que há grande acúmulo e concentração de pessoas, notadamente em vias públicas, seja de que tipo de evento for, de cunho político ou não”.
“Assim, no caso específico, foram designadas equipes policiais militares para dar segurança às pessoas que participavam do evento. Não há qualquer policial militar designado para a segurança de qualquer candidato”, explicou a corporação.
Major Olímpio lembrou que a legislação eleitoral determina que o candidato, partido ou coligação faça a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, 24 horas antes de sua realização do ato, para que sejam tomadas as providências necessárias.
“Ocorre que a esmagadora maioria da classe política hoje não consegue ter aglomeração de pessoas que possam demandar o uso de escoltas ou providências de policiamento ostensivo para os locais dos eventos que sejam significativas”, comentou o parlamentar.
No primeiro dia da viagem, em Presidente Prudente (SP), Bolsonaro vestiu um colete à prova de balas sob o agasalho. Questionado sobre a preocupação com a segurança, ele disse que é orientado a seguir certos ritos. “Obedeço e acima de tudo não revelo o que acontece no tocante à minha segurança, pela minha segurança”, declarou.

Policial representa o Estado

Para especialistas em segurança pública consultados pelo UOL, a tietagem dos policiais fardados e armados à figura de políticos, independentemente de quem seja o candidato ou o partido, extrapola as atribuições do agente de segurança e configura um desvio de função de finalidade.
A explicação é que, uma vez no exercício da função, o policial representa o Estado, ou seja, o interesse público coletivo, e não apenas a si próprio ou as próprias convicções. Na avaliação de Muniz, o gesto dos PMs representa “conflito com os princípios da hierarquia e disciplina, uma vez que tal manifestação política no horário de trabalho corresponde à desobediência”.
Rodrigues afirmou ainda que o policial “precisa se livrar de ideologias e aprender a fazer isso” no curso da atividade, mas ponderou, por outro lado, que é “democrático e republicano” que se demonstrem tendências ideológicas no âmbito da vida privada.
“Como profissional, o policial tem que servir a todos; esse é o contrato que ele assina, é para isso que ele recebe. Nesse sentido, tem de agir de forma republicana – mas cabe aos líderes e chefes da corporação admoestar essa situação e corrigir esses desvios da função pública”, afirmou.
“Infelizmente, por vezes o que vemos é uma posição permissiva quanto a isso por parte dos comandos, quando o candidato em questão é do interesse do comando –e se fosse outro candidato, como esses chefes reagiriam? Isso pode passar à sociedade a percepção de um Estado enviesado e uma mensagem equivocada”, concluiu o coronel.

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