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Tem de me engolir, afirma 1ª chefe de polícia de São Paulo
Comandante da Polícia Científica, Norma Bonaccorso diz que tenta combater a corrupção – e o machismo – na instituição
ROGÉRIO PAGNANSABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO
Quando Norma Bonaccorso era criança, ela lembra, queria ser cientista ou xerife.
Hoje, aos 54 anos, ela exerce as duas atividades e é dona de um currículo que une formação em biologia com doutorado em direito penal. Tudo feito pela USP.
Ela é a primeira mulher a chefiar a Superintendência da Polícia Técnico Científica, que, ao lado das polícias militar e civil, tem sido considerada a “terceira polícia” do Estado de São Paulo.
Chegou lá como um trator. Afastou cerca de dez pessoas suspeitas de corrupção, conseguiu R$24 milhões do governo para reformas e aumentou o número de cargos em 64% –não havia concursos para vagas novas desde 1986.
Há resistência por parte de uma polícia que só tem chefes homens? Sim, claro. “Mas isso não é oficial. Manda vir falar comigo que eu quero ver se tem peito. Não tem peito.”
Em seu gabinete, decorada com cáctus e com miniaturas de gatos –ela tem três de verdade–, Bonaccorso falou com a Folha.
Folha – Como é ser a primeira mulher chefiando a polícia?
Norma Bonaccorso - É algo bastante solitário. Recentemente eu recebi uma comenda dos heróis de 32 e no evento só tinham homens na mesa. Geralmente é assim. Tem homens que aceitam [uma líder mulher] e tem homens que não aceitam. Entre os policiais, a maioria não aceita.
Como você sabe quando um homem não aceita?
Eles te olham de cima a baixo. Você percebe que ele está pensando “o que essa mulher está fazendo aí?”. Dificilmente há mulheres na liderança na polícia. Dentro da superintendência, só 30% dos postos são femininos. E há muito menos mulheres nos postos de comando.
A senhora já passou por algum episódio desrespeitoso por ser mulher?
Sim, mas não sei se é porque eu sou mulher, porque sou perita ou as duas coisas.
Sempre me vi lado a lado com os homens. Não me sinto fragilizada. A mulher é forte como o homem ou até mais. Tem gente que nem olha quando eu falo. Mas eu falo por cima, eu falo por último. Tem de me engolir. Aí a pessoa faz aquela cara como se eu nem existisse. O secretário [de Segurança Pública, Fernando Grella] nos deu um assento [nas reuniões sobre segurança pública] e nos trata como a terceira polícia. Eu sento lá e sou mulher.
Já tive notícias de gente que achou um “horror” uma mulher participar desse tipo de reunião. Mas isso não é oficial porque ninguém veio falar comigo. Manda vir falar comigo que eu quero ver se tem peito. Não tem peito.
Alguém já deixou de falar com a senhora nessas reuniões?
Sim. Já participei de uma reunião em que uma pessoa cumprimentou todos os presentes com formalidades e me pulou. Eu acho que foi falta de educação mesmo.
A senhora colocou alguma mulher em cargos de chefia?
Coloquei. Já havia algumas mulheres. Se é competente a gente coloca. Eu não escolho por gênero. Se tiver homem bom, eu coloco também. Se é talhado para o cargo, a gente coloca. Eu não sou preconceituosa com homem.
A senhora tem alguma preocupação com roupa por causa do ambiente masculino?
Tenho. Eu procuro usar roupas que não marquem o meu corpo. Quero que prestem atenção no que eu falo, não no meu corpo. Eu nunca quis chamar atenção para o meu corpo, mas sim para aquilo que sou. Eu sempre uso roupa mais larga. Aqui no Brasil a gente é assim meio açougue [risos]…
Já recebeu alguma cantada no ambiente de trabalho ou os homens ficam intimidados?
Sempre fica a dúvida. Tem gente que cantou, mas é meio grosseiro. Quem canta, não tem noção. Aí é inimputável [risos]! Ou o cara é sutil demais e eu nem percebo. Aí, eu que sou inimputável…
A senhora tem algum lado “mulherzinha”?
Sim, às vezes faço um programa mulherzinha de sábado com minha irmã. Eu vou com ela ao Lar Escola São Francisco, vou no shopping. E vou à Sala São Paulo. Domingo eu durmo. Durmo muito porque eu fico muito cansada. De mulherzinha mesmo… eu vou ao cabeleireiro de vez em quando.
Que polícia a senhora encontrou ao assumir a chefia em abril?
Fizemos um levantamento e encontramos ilhas de excelência e de mediocridade.
Nós éramos um departamento de Polícia Científica dentro da Polícia Civil, que congregava o IML [Instituto Médico Legal], o IC [Instituto de Criminalística] e o Instituto de Identificação, que emite as carteiras de identidade e continuou com a Polícia Civil
Hoje, a Polícia Científica não tem uma escola própria e nem corregedoria própria, por isso que é uma “pseudo-autonomia”. Mas tem autonomia administrativa e financeira. Ela poderia ter crescido e construído mais.
Nós montamos uma pequena equipe enxuta que acabou ficando com uma pessoa só, o perito Antonio de Carvalho Nogueira Neto para visitar todos os dias ICs e IMLs do [Estado de São Paulo] –que, em muitas cidades, funcionam num mesmo prédio. Ele visitou todas as unidades, mais de cem unidades nos rincões. Fotograva equipamentos, ouvia as pessoas, via a infraestrutura. Ele fez uma radiografia da situação.
O que são as ilhas de mediocridade encontradas?
Não digo mediocridade técnica, mas há uma carência material muito grande.
E então o governo liberou R$ 24 milhões para obras?
Diante desse relatório, o governador liberou R$ 24 milhões para obras emergenciais. Começaram a pipocar situações tenebrosas principalmente em IMLs. O Nogueira ia para os locais e dizia: precisa demolir, precisa de um terreno, precisa regularizar, precisa de um projeto etc. Eu negocio orçamento –aqui vem o lado turco [risos]. Depois vêm as licitações.
Nós conseguimos com o governador a criação de cargos –64% do efetivo do nosso pessoal aumentou: perito criminal, médico legista, atendente de necrotério, auxiliar de necropsia, fotógrafo técnico policial e desenhista técnico policial. Eram 3.800 cargos, passamos para 5.200. São 1.800 cargos criados.
Nós não temos uma lei orgânica, estamos dentro da lei orgânica da Polícia Civil. O último concurso que havia sido feito de perito tinha sido em 1986 para preencher cargos que já existiam, por exemplo quando morria alguém.
Que marca a senhora quer deixar na sua gestão?
A luta contra a corrupção. A corrupção é inadmissível. Uma das consequências da corrupção é a injustiça, que são duas coisas indignas.
A senhora pretende fazer ações nesse sentido?
Já estamos criando. Uma das coisas que nós queremos é a normatização dos procedimentos de atendimento, de local, de perícias. Estamos começando a instituir isso tudo. Nós estamos falando de um instituição técnico científica. A perícia é uma referência para sociedade. Precisa ser algo justo. Você assiste o “Jornal Nacional” e ouve todos os dias: “o laudo vai mostrar isso”, a “perícia vai revelar aquilo”. A expectativa é sobre o que a perícia vai mostrar. Já pensou se a perícia falha? Tudo é a perícia.
A senhora tem estimativa de custo de tudo isso que está pensando implantar?
Não. Mas eu acredito que São Paulo é bem rico. E que merece isso
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