sexta-feira, 27 de maio de 2011

Verba enxuta para a Civil sobrecarrega Polícia Militar


Diferença no investimento e no efetivo das corporações leva PM a assumir tarefas como a investigação de crimes


CARLOS RHIENCK
PM e Polícia Civil
Em 2010, Governo destinou R$ 4,4 bi à PM, contra R$ 841 mi para a Polícia Civil
A crise enfrentada pela Polícia Civil de Minas Gerais, que anunciou no início da semana a restrição dos plantões às delegacias regionais por falta de pessoal, reacende a polêmica sobre a segurança pública no Estado. Para especialistas, os problemas podem ser explicados pela diferença no investimento e no efetivo das polícias Civil e Militar. Um dos reflexos da discrepância seria a inversão de papéis das corporações - com os militares deixando de patrulhar e passando a investigar devido ao número reduzido de agentes da civil, que por sua vez teriam dificuldade para desvendar crimes.

Em 2010, o Governo do Estado investiu mais de R$ 4,4 bilhões na Polícia Militar, contra R$ 841 milhões na Polícia Civil, conforme dados do Portal da Transparência de Minas Gerais. Além disso, em 2003, o efetivo da PM era de 36.768 homens. Hoje, são 46.500, um aumento de 26,46%. No mesmo período, os policiais civis passaram de 9.117 para 10.500, ou 15,16% a mais.
 
Os números mostram que, em Minas, a proporção é de 4,42 PMs para cada civil. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, a diferença entre os quadros das duas corporações é menor. Considerando o total de policiais (civis e militares), Minas também tem situação menos favorável, com apenas um agente para cada grupo de 343 habitantes, seguido pelos vizinhos paulista (1/319) e fluminense (1/307).
 
Especialista em segurança pública e secretário executivo do Instituto Minas Pela Paz, o sociólogo Luiz Flávio Sapori diz que os números retratam a discrepância no tratamento dado pelo Governo às duas polícias. "A consequência é a insatisfação dos agentes civis em relação ao empoderamento excessivo dos militares".

Arte Polícia Civil x PM

 

Política de segurança pública "desvirtuada"

Para Sapori, o fortalecimento de uma corporação em detrimento da outra prejudica a integração das duas forças policiais. "Trata-se do desvirtuamento da política de segurança pública nos últimos anos", resume o especialista, também ex-secretário de Estado de Defesa Social.

Já o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), Adilson Rocha, entende que a migração do estado repressivo para o democrático de direito - onde não há torturas, mas o respeito aos direitos humanos - explica o investimento menor e o enfraquecimento da Polícia Civil. "Ela passa a não dar conta do trabalho de repressão. E a Polícia Militar acaba assumindo essa parcela de investigar crimes".
 
A situação levaria a Polícia Civil, muitas vezes, a depender da ajuda de prefeituras para fazer seu serviço, diz o presidente do Sindicato dos Servidores da corporação (Sindpol-MG), Denilson Martins. "A Polícia Civil padece de um abandono institucional de investimentos, ficando relegada à dependência da ação das prefeituras, que se veem compelidas a contribuir cedendo servidores públicos para atuarem como policiais".
 
Por meio de nota, a Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra) afirmou que mais importante que o investimento em infraestrutura é o reforço no quadro de pessoal. "Independentemente da corporação, se não tiver efetivo necessário, sempre haverá a necessidade do profissional da ativa suprir com excessiva jornada de trabalho o que falta e deveria ser contratado pelo Estado".
 
O atual investimento na Polícia Civil gera outros reflexos negativos. Em 10 de maio, o Hoje em Dia mostrou que os autores de 20 mil assassinatos ocorridos em Minas entre 1997 e 2007 estão impunes, porque os inquéritos não foram concluídos. O Estado só perde para o Rio de Janeiro, com 60 mil. O diretor Jurídico do Sindpol, delegado Christiano Xavier Ferreira, atribui a situação à falta de delegados e investigadores. 

Perícia sucateada e salários defasados

Em 5 de maio, o Hoje em Dia também denunciou a precariedade da perícia da Polícia Civil mineira, que sofre com a falta de profissionais qualificados. O principal motivo está no salário defasado. Além disso, a corporação estaria perdendo técnicos que se aposentam ou desistem da carreira.

De acordo com o Sindicato dos Peritos Criminais de Minas (Sindpecri), atualmente 540 peritos atuam no Estado. Na capital, estão 193 – quando, segundo a entidade, seriam necessários 340 para dar conta da demanda. No interior são 340 servidores, distribuídos em 63 delegacias regionais. Mas o desejável seria pelo menos 650.

Há cerca de um mês, os policiais civis estão em greve parcial. A categoria reivindica melhores salários e que o Governo realize, com urgência, um concurso público. Segundo o Sindicato dos Delegados de Polícia no Estado, hoje um delegado em início de carreira recebe R$ 5.700 por mês. O valor só é maior, no Brasil, que o dos profissionais de São Paulo (R$ 5.400) e do Pará (R$ 5.200). O melhor salário, de R$ 13 mil, está em Brasília (DF).

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) alega que, em todo o país, o efetivo da Polícia Militar é maior que o da Civil. O motivo seria a natureza preventiva do trabalho da PM. A corporação é encarregada de garantir o policiamento ostensivo, o que exige ocupar áreas presencialmente.

A secretaria informa ainda que o Governo de Minas vai realizar um concurso para a contratação de 144 delegados e 205 escrivães. Por fim, explica que entre 2003 e 2010 foram destinados R$ 33,7 bilhões à área de Segurança Pública.

Os recursos teriam sido aplicados na melhoria das condições de trabalho das corporações, no aumento da capacidade do sistema prisional, nas ações de prevenção à criminalidade e no atendimento às medidas socioeducativas, entre outros programas.

*Renato Fonseca - Repórter

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