sábado, 5 de fevereiro de 2011

Penalista questiona posicionamento "linha dura" do Vereador Experidião.

Há uns dois ou três dias, sua página recolheu, aqui e acolá, excertos de uma portaria do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, sobre questões relacionadas às atividades dos funcionários públicos responsáveis pela aplicação da lei.
Primeiramente, não foi veiculado o conteúdo integral do documento, mas apenas o que pode ser tido como embaraço ao exercício da função policial.
Estima, então, o Sr ser lícito ao responsável pelo cumprimento da lei atirar, com que objetivo seja, em pessoa em fuga?
Nem mesmo a um preso que tenta a evasão, após a prática de um fato ilícito e típico, não é dado a ninguém pará-lo com um projétil de arma de fogo.
Na maioria das vezes trata-se de homicídio tentado ou consumado, com a qualificadora do recurso que dificulta ou torna impossível a defesa de quem está correndo em fuga. Além de tudo é crime hediondo.
No ano passado, houve um crime contra o patrimônio na cidade de Biquinhas, comarca de Morada Nova de Minas. Os policiais da cidade comunicaram-se por telefone com as prováveis rotas de fuga. Foram eles detidos e presos em Pompéu, com o uso do simplícimo expediente de bloquear a estrada. Recambiados à sede da comarca, foram julgados, condenados e cumprem pena.
Teria sido melhor executá-los pelas costas, caso a Polícia conseguisse? Parece ser esse
o seu pensamento, para grande surpresa minha.
A Sra Secretária de Direitos Humanos da Presidência esclarece, passados muitos dias da publicação, que os redatores da portaria se basearam no "Código de Conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei", que a ONU vem adotando desde 1979.
Quanto ao uso de algemas o assunto é controvertido desde 1981, quando se iniciavam os debates sobre um documento do prof. René Ariel Dotti, da Universidade do Paraná. Era o embrião daquilo que veio a transformar-se na LEP (Lei de Execução Penal. n. 7.210/84).
No VI Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, reunido em Belo Horizonte, e de que tive a honra de secretariar e participar de painéis ao lado do prof. José Frederico Marques, houve um consenso entre os participantes segundo o qual o uso de algemas só se justifica quando houver necessidade máxima. Desse Congresso participaram, entre outros, Heleno Cláudio Fragoso, Ariosvaldo de Campos Pires, Jair Leonardo Lopes, Miguel Reale Jr., Paulo da Costa Jr., Raul Chaves, Everardo da Cunha Luna, Benjamim de Morais Filho, Marcos Afonso de Souza, Desembargadores, Procuradores de Justiça, Autoridades Policiais, Diretores de Penitenciárias, Promotores Públicos, Juízes, advogados, etc.
Foram pessoas altamente qualificadas.
Nos dias que passam, até mesmo guardas municipais portam algemas, além de cassetetes, como se policiais militares fossem.
Qualquer prefeito pode ter sua guarda e equipá-la com algemas. Em quatro décadas de foro criminal, presenciei pouquíssimos casos em que o acusado foi ouvido algemado.
Não sei se o seu espaço no blog permitirá que me alongue um pouco mais.
Todavia, não consigo calar-me quando o Sr afirma textualmente que as disposições da portaria agradaram a "meliantes do mundo todo" aprontando malas para viajar a nosso País, "um paraíso tropical dos bandidos". E, ilustrando o texto, publica fotografia de um cidadão italiano, cuja extradição foi negada pelo Governo Federal.
Acho que nessa passagem o blog presta um desserviço à Nação. Como se sabe, a extradição é a entrega de um cidadão a um Estado Nacional requerente, para aí ser julgado, ou cumprir pena, caso sentença condenatória tenha passado em julgado. Houve o exame indispensável do pedido pelo Supremo; a cúpula do Judiciário passou à responsabilidade do presidente da República a decisão de entregar, ou não.
Tenho para mim ser preferível ver um cidadão culpado e livre  a um outro, inocente, mas condenado.
A Imprensa deve ter liberdade de expressão. Contudo, se o responsável pela publicação não conhece do assunto, deve procurar um especialista.
O Sr., estranhamente, chama de "homicida" o italiano, cuja extradição foi negada. Particularmente não conheço os autos. Mas a Constituição cidadã, de outubro de 88, consagra o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência..
Além do mais, parece estar sendo perseguido politicamente na Itália.
Pelo o que foi escrito, o Sr o entregaria a um possível tribunal de exceção, se Presidente fosse. Para tristeza de seu leal amigo e companheiro, Cirilo Vargas.

José Cirilo de Vargas é Professor da UFMG e autor de diversos livros de Direito Penal.

Um comentário:

  1. ótimo texto do professor Cirílo,muito esclarecedor por sinal.Enquanto isso na Capital de MInas as POLÍCAS militar e civil BRIGAM (ostentam armas uns contra os outros) mostrando total falta de respeito com a população.E agora Anastasia vai fazer o que ?

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