quinta-feira, 26 de abril de 2012

AUTONOMIA DA PERÍCIA CRIMINAL É MOTIVO DE CONTROVÉRSIA


A defesa da autonomia da Polícia Técnico-Científica, ou perícia criminal, no Estado foi debatida nesta quarta-feira (25/4/12) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O autor do requerimento para a reunião, deputado Durval Ângelo (PT), lembrou, no início dos trabalhos, que juntamente com outros parlamentares vem tentando alterar a Constituição Mineira há 17 anos para que a perícia criminal obtenha autonomia administrativa e orçamentária, mas os sucessivos governos evitaram esta que é considerada pelos especialistas uma conquista da cidadania. Argumentos favoráveis e contrários foram apresentados durante a reunião.
Em favor da autonomia, diversos peritos criminais se manifestaram durante a audiência. Cláudio Vilela Rodrigues lembrou que, estando dentro da estrutura da Polícia Civil, os peritos sofrem pressões na elaboração de seus laudos, principalmente quando se trata de casos de tortura, por envolverem, a rigor, “colegas de trabalho”.
“A polícia é a única instituição que ainda não se adequou aos preceitos da Constituição Federal de 1988”, disse o ex-presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Antenor José Pinheiro dos Santos, referindo-se ao fato de que a tortura ainda é praticada no País. “Por isso, mais que uma questão administrativa, a autonomia da perícia criminal é uma atitude política”, afirmou.
Segundo Cláudio Rodrigues, o ambiente molda a percepção, prejudicando o julgamento justo. “Peritos oficiais tendem a se identificar com a polícia e buscar resultados que confirmem as teses da investigação e da acusação”, disse o perito, o que, para ele, contraria a objetividade científica. Rodrigues afirmou ainda que a lógica de pensamento da perícia e da polícia são diferentes: “Para a Polícia Civil, todos são suspeitos até prova em contrário, mas para a perícia, a visão tem que ser de imparcialidade. Polícia e perícia podem estar próximos, mas não devem estar juntos”, concluiu.
Experiência externa – Minas Gerais é um dos três estados brasileiros em que a perícia criminal é subordinada à Polícia Civil, além de Rio de Janeiro e Espírito Santo. Convidados de outros estados narraram suas experiência com a autonomia. Em Goiás, por exemplo, o Instituto de Criminalística está vinculado diretamente ao secretário de Estado de Segurança Pública desde 2002, contou o gerente do órgão, Roberto Pedrosa. Ele afirmou que o Centro de Perícia Criminalística de Goiás é hoje referência na América Latina. Segundo Pedrosa, no início os delegados de polícia foram contra a autonomia, mas hoje há uma convivência respeitosa entre a Polícia Civil e o Instituto de Criminalística.
Em São Paulo, de acordo com o presidente da Comissão de Estudos sobre Perícias Forenses da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, Norberto da Silva Gomes, a perícia é desvinculada da Polícia Civil há 14 anos, com bons resultados.
Os dois convidados destacaram a importância de se ter uma corregedoria e orçamento próprios. A proposta mineira inclui esses pontos, além da formação dos peritos por meio da Secretaria de Defesa Social (Seds) e a escolha do superintendente de Polícia Técnico-Científica feita diretamente pelo governador ou pelo secretário de Estado.
Em relação ao orçamento, o perito Cláudio Vilela Rodrigues mostrou dados retirados do Portal do Governo do Estado na internet. Segundo esses dados, em 2011, 2,62% dos recursos destinados à Polícia Civil foram repassados à perícia criminal.
A importância dos laudos periciais foi destacada pelos participantes, que mostraram que uma perícia bem feita pode ser a peça decisiva para se condenar ou absolver alguém. “Com o avanço tecnológico, a perícia acaba por receber importância desmedida em relação às demais provas, pois são objetivas, materiais e menos sujeitas a receber interferências”, disse Rodrigues.
Para Durval Ângelo, a perícia é a grande parceira da sociedade no sentido de coibir a impunidade. Ele lembrou a importância dos trabalhos periciais realizados nos casos da chacina de fiscais do trabalho em Unaí, em 2004, e do assassinato do promotor Francisco Lins do Rego, em 2002.
O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Hélio Buchmuller Lima, mostrou estudos nacionais e internacionais defendendo a autonomia da perícia criminal. Essa condição foi, inclusive, a segunda diretriz mais votada entre 400 apresentadas na I Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), realizada em 2009. “Há muita documentação a respeito, um verdadeiro excesso de vitórias de intenções. O que falta é o gesto, a atitude”, disse o ex-presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Antenor José Pinheiro dos Santos.
Calil Fouad Nicolau Cury, presidente da Associação Mineira de Medicina Legal, reforçou o coro da autonomia, mas defendeu sua categoria dizendo que os médicos legistas mineiros jamais atuaram no sentido de encobrir crimes de tortura no Estado.
Delegado diz que separação prejudicaria as investigações
Para o delegado Daniel Barcelos, a separação entre perícia e Polícia Civil fragmenta a investigação, contrariando seu princípio de integralidade. “Investigação é pesquisa que busca fontes de dados para reconstruir fatos. Perícia é etapa do processo. Não há sentido separar essas ações”, afirmou. Ele também defendeu que a função técnico-científica da investigação não cabe exclusivamente ao perito, mas também aos policiais civis, e refutou os argumentos de que uma perícia autônoma garantiria o fim da tortura.
Já a assessora da Polícia Civil Junto à Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Elisa Moreira Caetano, afirmou que a Seds compreende as questões dos peritos, mas também tem a integração como uma de suas prioridades. “Entendemos que essa integração deve passar primeiro pela unificação do discurso interno”, ressaltou.

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