Paulo Henrique Lobato -
Evanice e João Lima visitam um dos galpões para criação de frangos da raça label rouge, emVeloso |
O Veloso é uma comunidade quilombola que reúne descendentes de escravos que fugiram das chicotadas em fazendas e minas de ouro na então vila de Pitangui, fundada em 1715. O povoado é carente de emprego e infraestrutura. Há ruas de terra e casas de reboco. Nem todas as moradias têm televisão, o que propicia uma cena curiosa: para assistir à TV, moradores se reúnem numa pracinha onde um aparelho é ligado às 18h. O projeto de criar frangos caipiras “encorpados” é a esperança de dias melhores para as famílias, que poderão contar com renda extra.
O empreendedorismo em comunidades quilombolas é o tema da quarta reportagem da série “A real abolição”, que o Estado de Minas publica desde quarta-feira. O engenheiro-agrônomo João Sebastião Viana Neto, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), acompanha o projeto no Veloso: “A raça label rouge tem carne saborosa e boa aceitação no mercado. Uma das propostas é comercializar a ave em bandejas de isopor. Para isso é preciso terminar o abatedouro, em acordo com as normas do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA)”.
A artesã Irinéia Rosa Nunes (C), a filha, Mônica, e o marido, Antônio Nunes, mostram as peças artesanais |
ALAGOAS
Longe de lá, na Zona da Mata de Alagoas, outra comunidade quilombola já colhe frutos com o empreendedorismo. Trata-se do povoado do Muquém, em União dos Palmares, a 70 quilômetros de Maceió e onde moram cerca de 700 afrodescendentes. “Nossa principal atividade econômica é o artesanato feito com barro”, revela Aldo Delmiro Nunes, de 31 anos, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombo do Sítio Muquém. O artesanato no povoado é um ofício antigo, mas, há poucos anos, quando técnicos do Sebrae chegaram ao lugarejo, a atividade ganhou status de empreendedorismo.
“Aprendemos a calcular orçamento e lucro. Recebemos orientações de novas técnicas para retirar o barro e como usar o forno, necessário para uma das etapas do acabamento das peças. Também fomos incentivados a participar de feiras em capitais e a colocar nossos trabalhos na internet”, completou Aldo. Foi por causa da internet que dona Irinéia Rosa Nunes, de 66, negociou uma de suas peças com uma família nos Estados Unidos. Ela sente orgulho em dizer que vários de seus trabalhos enfeitam o interior de residências e empresas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Maceió e até em outros países.
Dona Irinéia conta com a ajuda do marido, Antônio Nunes, de 73, para transformar o barro em artesanato. No ateliê da família há diferentes peças. Algumas homenageiam Zumbi dos Palmares. Outras lembram um triste fato ocorrido na comunidade no fim de 2010. “O Rio Mandaú transbordou, inundando tudo. Cinquenta e duas pessoas precisaram subir numa jaqueira para não serem levadas pela correnteza. Teve gente que subiu nos galhos com cachorros ou gatos numa das mãos. Foi uma aflição danada. Minha filha, a Mônica, subiu na árvore por volta das 18h30, quando (o volume) da água estava alto, e só desceu em torno das 3h30.”
Catas Altas - Praticamente todas as cidades coloniais do país tiveram um poste de madeira na praça principal na época do Brasil colônia e em boa parte do Brasil império. Trata-se do pelourinho, onde escravos que contrariavam ordens dos donos eram acorrentados e chicoteados. Em Catas Altas, no sopé da Serra do Caraça, havia um pelourinho. Ele ficava na Rua Direita - 685 escravos viviam naquele logradouro em 1755, de acordo com documentos da época. No local, em frente à matriz, agora há um chafariz (foto). O lugar, antes marcado pelo sofrimento, é um dos cartões-postais da cidade. Catas Altas é o município mineiro cuja economia mais cresceu, segundo o último estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): o Produto Interno Bruto (PIB) saltou 327%, de R$ 72,5 milhões para R$ 310 milhões,de 2009 para 2010. |
FEIRA
O artesanato produzido no Muquém não é vendido apenas na comunidade. Nas segundas, quartas e aos sábados, os artesãos aproveitam a feira que ocorre em União dos Palmares para negociar suas peças. No local também são encontrados trabalhos feitos em outras comunidades quilombolas. Muitas começaram a apostar no empreendedorismo depois de auxiliados por instituições criadas para fomentar o desenvolvimento socioeconômico junto à população de afrodescendentes.
Em junho passado, o Sebrae e outros parceiros, como o Instituto Adolpho Bauer (IAB) e o Instituto Coletivo de Empresários Empreendedores Negros de São Paulo (Ceabra-SP), lançaram o programa Desenvolvimento e fortalecimento do empreendedorismo afro-brasileiro, cujo objetivo é estimular o desenvolvimento entre microempreendedores individuais pretos e pardos e em empresas de pequeno porte controladas por negros. Parte do público a ser beneficiado está em comunidades quilombolas.
A estimativa é beneficiar 1,2 mil empreendedores negros em 12 estados – Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Goiás, Amapá, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. A partir do próximo ano, os organizadores vão promover seminários estaduais e selecionar 500 modelos de negócios para fortalecer a chamada rede nacional de empresários microempreendedores individuais afro-brasileiros.
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