Tese de doutorado revela que estrutura militarizada é propícia para problemas nas relações com superiores
São Paulo - Policiais que se consideram tratados como escravos ou
prisioneiros, trabalhando sob constante pressão e a base de calmantes. É esse o
cenário a que muitos PMs estão submetidos em seu dia a dia e que aparece
retratado na tese de doutorado da socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos
da Violência da USP (Universidade de São Paulo) Viviane de Oliveira Cubas.
Para o trabalho, apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH), ela entrevistou 15 policiais e analisou as queixas registradas
na Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo entre 2006 e 2011. Neste período,
foram 1.716 denúncias feitas somente por policiais, sendo que 95,7% do total são
reclamações de integrantes da Polícia Militar e apenas 4,1% da Polícia
Civil.
A explicação para a diferença no número de queixas de seus integrantes pode
estar no fato de uma corporação ser militarizada, e a outra não. “Os números
mostram o quanto essa estrutura acaba propiciando relações bastante tensas entre
os policiais”, explica Viviane.
O resultado da análise comprova o problema de tratamento que existe entre
subordinados e chefes na Polícia Militar. Cerca de 80% das queixas tratam de
“problemas nas relações de trabalho” e quase metade (39,5%) se refere apenas a
assédio moral ou escalas de trabalho.
Nas denúncias de abuso, por exemplo, a maior parte é contra oficiais
superiores hierarquicamente. “O que dá pra dizer é que todo superior, a partir
do momento que tem um pouco mais de poder, abre brecha para exercer força sobre
subordinados”, argumenta.
Os abusos
Dentre as queixas as quais a socióloga teve acesso, há uma, por exemplo, que
relata as metas para prisões em flagrante estabelecidas por um comandante que,
quando não cumpridas, resultavam na transferência de policiais ou em banhos com
água fria e fardados. A denúncia informa ainda que quatro policiais contraíram
pneumonia por conta do castigo. Em outra, um oficial relata que, como forma de
punição, um major teria obrigado os policiais a pular em uma lagoa com barro e
excrementos de animais.
Sobre as escalas, as reclamações normalmente são de sobrecarga nos horários
de trabalho. Por várias vezes, os policiais enfatizam cansaço físico e mental
após várias horas ininterruptas em serviço, o que aumenta as possibilidades de
erros ou agressividade contra cidadãos.
Há denúncias em que policiais alertam para a possibilidade de colegas serem
violentos com seus superiores. Em dois casos extremos, um policial teria
disparado um tiro dentro de uma base da Polícia, devido ao excesso de trabalho,
e, em outro, oficiais teriam presenciado um colega apontar a arma para a própria
cabeça.
Muitas vezes, o estresse é provocado pelos próprios superiores. A
pesquisadora cita uma denúncia na qual um major e um capitão tinham escalado a
tropa para trabalhar na segurança das estações do metrô, entre 9h e 22h, sem
meios de comunicação, sem autorização para almoçar, beber água ou ir ao
banheiro, além de terem colocado um oficial para vigiar, com a possibilidade de
puni-los caso desobedecessem às ordens.
Questões emocionais
Na fase em que entrevistou policiais, a pesquisadora abordou a questão dos
desvios de conduta, como uso excessivo da força e corrupção. Apesar de os PMs
condenarem veemente este tipo de comportamento, a maioria dos que aceitaram
participar do estudo viu problemas emocionais - não de caráter ou
treinamento.
“Eles entendem que neste tipo de situação o policial saiu do seu controle por
questões emocionais. Isso foi um pouco surpresa para mim. Achei que eles
tivessem outra percepção disso. Qual a estrutura que os policias recebem para
manter o controle emocional? Isso não aparece na fala dos PMs. Parece que a
instituição cumpre seu papel. Acho que eles não se dão conta disso”, opina
Viviane.
A pesquisa não abordou como os abusos, a carga de trabalho e a infraestrutura
influenciam na conduta do PMs durante o policiamento ostensivo, mas, na opinião
da acadêmica, os números e os depoimentos podem ser sinais disso. “Isso é uma
coisa que surgiu e que tenho vontade de estudar. O quanto esse modelo de
tratamento, muitas vezes desumano, desigual e autoritário vai refletir do
batalhão para fora? Se internamente eles trabalham numa ótica em que não são
iguais, sempre alguém vai estar acima de alguém, como isso vai refletir depois
na rua para a garantia de direitos de igualdade? Como desse jeito eles toleram
quem questiona a atitude deles? Não é uma coisa que explorei, não estou
afirmando, mas é muito provável que isso vá para fora dos batalhões”,
conclui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O espaço de comentários do blog são moderados. Não serão aceitas as seguintes mensagens:
Que violem qualquer norma vigente no Brasil, seja municipal, estadual ou federal;
Com conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade, ou que desrespeite a privacidade alheia;
Com conteúdo que possa ser interpretado como de caráter preconceituoso ou discriminatório a pessoa ou grupo de pessoas; acusações sem provas, citando nomes de pessoas, se deseja fazer algum tipo de denúncia envie por e-mail que vamos averiguar a veracidade das denúncias, sendo esta verdadeira e de interesse coletivo será divulgada, resguardando a fonte.
Com linguagem grosseira, obscena e/ou pornográfica;
De cunho comercial e/ou pertencentes a correntes ou pirâmides de qualquer espécie; Que caracterizem prática de spam;
Fora do contexto do blog.
O Blog do Experidião:
Não se responsabiliza pelos comentários dos freqüentadores do blog;
Se reserva o direito de, a qualquer tempo e a seu exclusivo critério, retirar qualquer mensagem que possa ser interpretada contrária a estas regras ou às normas legais em vigor;
Não se responsabiliza por qualquer dano supostamente decorrente do uso deste serviço perante usuários ou quaisquer terceiros;
Se reserva o direito de modificar as regras acima a qualquer momento, a seu exclusivo critério.