Naquela noite de sábado, 3 de novembro, corria entre PMs da zona norte de São Paulo a informação de que uma policial militar fora atacada. Ana (nome fictício), 35, apressou-se em ligar para o batalhão onde trabalhava, na mesma região, para saber se a vítima era alguma colega.
Era. Mas a colega não estava apenas baleada: "zerar", na polícia, significa morte.
Marta Umbelina da Silva de Moraes, 44, a Martinha, doce, animada e de voz fina, foi a primeira mulher a morrer nos assassinatos em série de PMs na Grande São Paulo.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Ao centro, Matilde, mãe de Marta Umbelina da SIlva, na missa de 7º dia da PM |
Levou ao menos dez tiros ao chegar em casa, na Vila Brasilândia, também zona norte, depois de ter ido buscar a filha caçula, de 11 anos.
Era dia de folga e ela havia saído do carro para ajudar a filha a abrir o portão. Um homem atirou nas suas costas e fugiu. A filha viu tudo. Martinha, que estava sem farda (como sempre fazia na folga, a despeito de toda a vizinhança saber que era PM), chegou ao pronto-socorro morta. Na porta do PS, policiais mulheres choravam com a notícia.
Para a família, ela não foi morta por ser a PM Martinha; foi morta porque era policial.
VAQUINHA NO ENTERRO
Na quarta anterior, Ana falara com a amiga pela última vez. Martinha havia ligado para lhe oferecer lingeries, modo de engordar o salário líquido de R$ 2.500.
A vida financeira, aliás, ia mal, asfixiada pelas prestações do carro e da casa, esta comprada na Brasilândia.
Ainda assim, pensava em erguer uma laje e ampliar a casa onde vivia com os três filhos (a caçula, um de 18 anos e a mais velha, de 21), com quem passava o tempo livre desde o divórcio, anos atrás.
Não foi pelo salário que Martinha entrou na PM, em 1996, após largar emprego de telefonista; usar a farda e ajudar a comunidade era um sonho de juventude, diz a filha mais velha. Não há PM na família.
Na polícia, uma ironia: em boa parte da vida, trabalhou para auxiliar e confortar familiares de PMs mortos, uma das tarefas no setor de relações-públicas. De dois anos para cá, cumpria função administrativa noutra área (na rua, atuava só em ações específicas).
Seu corpo ficou quatro horas no IML, à espera de liberação. Depois, os amigos chegaram a fazer uma vaquinha para ajudar no enterro -e se cotizarão para não deixar os três filhos desamparados.
Soldado (a mais baixa patente da PM), Martinha morreu sem alcançar o maior sonho: tornar-se sargento.
Colaborou ROGÉRIO PAGNAN
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