Documentos obtidos com exclusividade pelo Fantástico mostram que Secretaria de Segurança foi avisada da onda de ataques que estaria para acontecer.
No batalhão, quando você chega para trabalhar, o clima é simplesmente tenso, horrível, cena de terror”, revela um policial militar.
Um ônibus incendiado esta semana ficou todo destruído. Segundo o motorista, oito homens armados entraram no ônibus e atearam fogo.
“Não tem tempo de ficar de luto”, diz uma PM.
Madrugada de sexta-feira (9) À 1h, já são 15 baleados na capital e na grande São Paulo.
“Nós não temos treinamento para nos defendermos de fuzil pelas costas”, revela o delegado.
A perícia recolheu pelo menos 14 cápsulas. A maioria, calibre 380.
Policiais civis e militares escondem o rosto porque não estão autorizados a dar entrevista e porque têm medo de ser as próximas vítimas do crime em São Paulo. Só neste ano, 90 policiais militares foram assassinados. A maioria no horário de folga, com sinais de execução.
Segundo documentos obtidos com exclusividade pelo Fantástico, a Secretaria de Segurança de São Paulo foi avisada – há três meses – de que uma onda de violência estava para acontecer. São relatórios das Policias Civil e Federal, e também do Ministério Público Estadual.
Um deles, do centro de inteligência da Polícia Civil, registra uma conversa telefônica entre bandidos do interior paulista. A quadrilha dá ordens para a morte de PMs.
O documento, “reservado”, é de 16 de agosto. No mesmo dia, a mesma mensagem é interceptada pelo ministério público estadual – agora transmitida por outros bandidos do grupo.
“O Ministério Público obteve numa interceptação telefônica judicialmente decretada essa informação e adotou todas as providências, comunicando inclusive para as polícias”, afirma Márcio Elias Rosa, procurador-geral de justiça de São Paulo.
Seis dias depois, em 22 de agosto, o alerta foi da Polícia Federal. O aviso: “urgentíssimo”. Uma delegada relata as ameaças feita pela quadrilha. Em nota, a PF diz ter repassado a mensagem para os órgãos interessados.
A partir de 16 de agosto , quando a ordem dos bandidos foi interceptada, 36 policiais foram mortos. O numero de homicídios na cidade de São Paulo também disparou: chegou a 135 em setembro, quase o dobro do mesmo mês no ano passado.
O Fantástico consultou mais de uma dezena de policiais militares e civis com cargos de chefia, na grande São Paulo. Todos disseram não ter recebido nenhum aviso oficial do plano para matar policiais.
“Não foi mandado nada para nós falando que realmente está acontecendo, que isso tomou uma proporção muito grande, oficialmente assim não foi mandado”, diz uma PM.
“Aqui, na associação de delegados de policiais, nós temos 4,1 mil delegados, não tivemos nenhuma informação a esse respeito”, conta Marilda Pansonato Pinheiro, presidente da Associação de Delegados de Polícia de São Paulo.
“Não sabíamos que ia acontecer. entendeu? Se os órgãos de informação tinham essa informação, obviamente que tinham que estar repassando pra tropa”, afirma o cabo Wilson Morais, presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de São Paulo.
A equipe do Fantástico procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. O delegado-geral do estado, Marcos Carneiro Lima, afirmou que não foi alertado nem pelo Ministério Público nem pela Polícia Federal sobre os ataques: “Oficialmente nós não temos essa informação”.
O Fantástico teve acesso a um documento que seria do departamento de inteligência da Polícia Civil, dizendo que a policia tinha conhecimento disso no dia 16 de agosto. “Esse documento, para nós, é falso, mas a informação oficial, com base nesse grampo, não temos acesso”, diz Lima.
Quatro delegados do estado de São Paulo, três deles titulares, confirmaram ao Fantástico que tiveram acesso ao documento apontado como falso pelo delegado-geral. Segundo eles, o relatório é verdadeiro e ficou disponível nos computadores da Polícia Civil. O conteúdo do documento é o mesmo do relatório que o Ministério Público diz ter passado às polícias.
O comandante da Polícia Militar de São Paulo, coronel Roberval Ferreira França, também disse que não foi avisado sobre a ordem da quadrilha: “Se a polícia militar tivesse sido comunicada, obviamente ela ia diligenciar, tentar chegar a autoria desses comunicados, desses salves, para que nos pudéssemos prender esses autores e responsabilizá-los por isso”.
Ele também falou sobre como a polícia reforçou os cuidados com a tropa quando o número de ataques aumentou. “Nós determinamos que todos os policiais em todo o estado passassem a ter uma hora de instrução obrigatória por dia relembrando condutas de segurança em serviço de folga. A partir daí, nos emitimos uma série de cartazes e uma série de áudios e de vídeos com alertas e orientações de segurança”, diz o comandante.
Dois meses depois da ordem de ataques, o secretário de segurança, Antonio Ferreira Pinto, negava relação entre as mortes e o crime organizado: “São ações isoladas, de traficantes, alguns se aproveitam da situação para fazerem acerto de contas com alguns policiais. O vinculo ainda é muito prematuro pra chegar a uma conclusão”.
“É fácil falar que não existe uma guerra, que não tem ataque. Agora chegue na sua casa, com sua mulher te esperando, sem ninguém, e sabendo que você pode ser o próximo”, conta um PM.
“Já perdi minha amiga, foi a ultima agora… Covardemente, um absurdo”, diz uma PM.
A policial Marta Umbelina da Silva tinha 44 anos. Ela foi executada pelas costas quando chegava em casa com a filha de 11 anos.“Você quer chegar na sua casa, tomar um banho, relaxar e eu não consigo. Isso me foi cerceado. Eu não tenho esse direito. Só não sabia que a minha filha também não tinha”, revela a PM,
“Quando a minha mãe sai, ela me liga e fala para eu e a minha irmã dormir no chão. De repente se passam atirando, talvez no chão a gente não seja atingido, Talvez”, diz a filha da policial.
Só nesta semana foram assassinadas 65 pessoas na grande São Paulo. Ônibus também foram queimados. As forças policiais procuram reagir. A favela de Paraisópolis, uma das maiores de São Paulo, continua ocupada pela PM. Nesta semana, as operações em busca dos autores dos ataques foram ampliadas para Zonas Leste e Norte da capital, e também para Guarulhos.
“Estamos envolvendo aqui os cinco batalhões da Zona Norte, pra fazer com que a estrutura do trafico venha a ser abalada”, conta o major Marcelo Francisco.
Ao todo, 61 pessoas ja foram presas nas operações. Criminosos acusados de envolvimento nos ataques foram transferidos de cadeia. Além disso, segundo os policiais que entrevistamos, o comando da polícia agora tem orientado funcionários diretamente ameaçados pelos bandidos.
“Em uma denuncia anônima que havia chegado por meio do disque denuncia, a minha esposa seria executada na manha do último dia 7 de novembro”, conta um delegado ameaçado.
Por segurança, ele e os parentes saíram de casa. Nesse clima tenso, o delegado-geral diz estar confiante: “A população pode ficar tranquila que a Polícia Civil ta cumprindo o papel dela, com investigações consistentes e com prisões”.
“Nós temos nesse ano recorde de prisões em flagrante. Então em São Paulo nos temos 109 mil prisões em flagrante de janeiro a setembro”, afirma o comandante da PM.
As famílias de policiais, como tantas na grande São Paulo, esperam o fim da violência. “Eu acabo deixando meus filhos tensos por eu estar trabalhando. É irônico”, diz uma PM.
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